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sexta-feira, 28 de junho de 2013

Presidente de Angola fala à SIC

Entrevista de Sua Excelência Presidente da República de Angola, Eng.º José Eduardo dos Santos concedida na íntegra d à SIC

 

O líder angolano faz uma incursão sobre os caminhos da paz e da estabilidade em Angola e na África Austral, e também fala sobre as relações de cooperação com outros países, designadamente Israel, Brasil, Portugal e China.

 

Como vê o desenvolvimento de Angola durante um pouco mais da última década, eu diria desde o fim da guerra civil, no ano de 2002?

 

R - A última década foi marcada pelos processos de consolidação da paz e da democracia e pela reconstrução nacional. Terminada a guerra, definitivamente, em 2002 deu-se início à execução de um programa de pacificação e reconciliação nacional que conduziu à conclusão da formação das Forças Armadas Angolanas, com a integração de parte dos oficiais, sargentos e soldados provenientes das forças militares da UNITA, então extintas, e a reintegração social dos demais. Também seguiu-se o reassentamento de mais de quatro milhões de pessoas deslocadas, a criação de condições para garantir a alimentação para as mesmas, cessando assim o apoio que tínhamos do Programa Alimentar Mundial. E, por outro lado, começou o reencontro das famílias separadas durante muitos anos por causa da instabilidade militar e da falta de segurança em muitas regiões do nosso país. Por outro lado, começou-se o processo de consolidação e reforço das instituições democráticas, das instituições do Estado, particularmente, e a criação de condições para o aprofundamento da democracia e do estado de direito. Foram aprovadas as leis necessárias para assegurar o pluralismo político, funcionamento normal de partidos políticos e a criação de associações de diverso tipo, garantindo-se assim o direito à livre expressão e ao desenvolvimento da imprensa privada. O país estava destruído e exangue. As províncias estavam quase constituídas em ilhas porque as vias rodoviárias e ferroviárias estavam quase todas destruídas, danificadas ou minadas. Nessa década foram realizadas as grandes obras que permitiram reconstruir a rede fundamental de estradas, e parte da rede secundária, a rede dos caminhos-de-ferro, de mais de dois mil quilómetros de extensão, as pontes, as centrais de produção de energia eléctrica e água, as linhas e condutas de transporte destes bens. Neste contexto, e nesse período, relançamos um amplo programa de educação e formação de quadros. Reabilitamos escolas e institutos, e construímos novos estabelecimentos de ensino em todos os níveis. O país cresceu imenso do ponto de vista material e espiritual, claro, e agora está preparado para encarar novos desafios.

 

Vindo do Médio Oriente, realmente uma das coisas que mais me chama à atenção é como no dia seguinte do fim da guerra civil se pôde chamar os inimigos de ontem, e não de ontem, nos últimos 27 anos, e trazê-los para o seu próprio Governo. Foi difícil?

 

R - Foi difícil, mas também foi necessário. Porque afinal o nosso grande objectivo era reconciliar todos os angolanos, e assim fortalecer a unidade nacional e criar as condições para que todos os angolanos, independentemente da sua origem, da sua filiação política e partidária, participassem no grande esforço de reconstrução nacional e da edificação de uma pátria que a todos possa orgulhar.

 

Das realizações que falou na primeira resposta, qual é, realmente, a que está mais orgulhoso dela?

 

R - Uma delas só? Uma delas, naturalmente, é o grande esforço que fizemos na formação de capital humano. A formação de quadros e, por outro lado, é a criação das condições para a consolidação da democracia. Com a realização periódica de eleições gerais e também na criação de condições para que tenhamos instalações condignas para o funcionamento da chamada casa da democracia. Construímos assim um grande palácio do Parlamento, um edifício magnífico e imponente, está mesmo atrás se si. Naturalmente vai ser a casa da nossa democracia.

 

Angola passou por várias guerras civis, terríveis, muito duras, imagino. Qual é a forma de lidar com esse desafio?

 

R - É evidente que a reconciliação nacional pressupõe, em primeiro lugar, a percepção de que é preciso colocar os interesses gerais e os interesses da Nação acima de qualquer interesse particular e assim erguer os valores essenciais, como os valores da pátria, do perdão, da reconciliação, da paz e da procura da defesa da vida, como um bem supremo. Por outro lado, foi necessário igualmente recorrer ao princípio de uma aplicação equilibrada do esforço de guerra com a negociação, a negociação política, mas uma negociação que tivesse em conta os interesses de todas as partes e procurasse uma solução de equilíbrio nalguns casos consensuais para os problemas nacionais.

 

E como se faz isso na prática?

 

R - Na prática é dialogando, é compreendendo a vontade dos outros e procurando levá-los para a razão, para soluções racionais, que acabem por trazer conforto a todos e que acabem também por criar um quadro em que todos possam encontrar uma realização pessoal, realização dos nossos sonhos individuais, mas também dentro de um contexto mais geral do sonho de todo o povo angolano.

 

Há algum episódio de que se lembra, de concreto, que talvez mostre a complexidade do que se fez aqui em Angola?

 

R - Houve vários episódios. Naturalmente vou contar um episódio que aconteceu no contexto da procura de uma solução global para o conflito regional que então existia na África Austral. Eu encontrei-me com o novo Presidente da África do Sul, digo aquele que sucedeu ao senhor Botta, na Namíbia, à margem das festas da independência da Namíbia. Devíamos então falar da questão de Angola, uma vez que estava encaminhado o processo de negociações para o fim do Apartheid na África do Sul, Mandela já estava liberto. A questão da agenda era uma discussão directa entre José Eduardo dos Santos e Savimbi. Então ele dizia assim, olha senhor Presidente, eu estou a negociar com Mandela, agora é a sua vez de começar a negociar com Savimbi. A minha resposta foi: mas Nelson Mandela é um herói da luta de libertação nacional, um indivíduo que passou sacrifícios, esteve mais de 27 anos na cadeia, a lutar pela independência e pelos direitos civis do seu povo, e não é o caso de Jonas Savimbi. E nessa altura a negociação interrompeu-se e separamo-nos. Era delicado, isso foi no princípio dos anos 90. Isso foi só um episódio para ver como eram delicadas as situações. Claro que não podia admitir que Mandela fosse comparado a Jonas Savimbi. Jonas Savimbi era um angolano que, para combater o seu próprio Governo, juntou-se ao regime do Apartheid, que era o mais condenado em todo o mundo.

 

Falemos um pouco da relação externa de Angola com vários países, comecemos por Israel. Eu entendo que há relações bastante intensas com Israel em vários campos. O que é que nos pode contar quanto a isso?

 

R - As relações com Israel são muito boas. São relações que se desenvolvem em várias áreas, desde a área financeira à económica, em geral. Também temos relações políticas e diplomáticas que são excelentes porque nos concertamos sobre questões essenciais da comunidade internacional e as perspectivas para o seu desenvolvimento são também muito boas. Angola é um país que oferece grandes oportunidades de negócios e sabemos que há empresários de Israel que estão interessados no nosso mercado. Desenvolvemos sobretudo uma relação especial com Israel na área da defesa e segurança, temos adquirido meios militares e outros para os serviços de inteligência e para as Forças Armadas Angolanas, e também temos formado quadros particularmente para o sector da Polícia Nacional. Portanto, são relações dinâmicas, multifacetadas e penso que satisfazem os interesses dos dois países.

 

Vimos também no caso do Brasil. Vimos várias empresas grandes de construção que estão a fazer grandes projectos aqui. Como definiria as relações entre Angola e o Brasil?

 

R - As relações entre o Brasil e Angola assentam num pressuposto que não existe nas relações com Israel, naturalmente. Falamos a mesma língua, a língua portuguesa. Angola e o Brasil tiveram o mesmo colonizador, que foi Portugal. De Angola saíram muitos escravos que foram enviados para o Brasil, portanto, há uma participação angolana na formação da nação brasileira. Há afinidades de vário tipo, por conseguinte há relações pessoais entre os dois países. Por isso as relações são de forte amizade, de alguma cumplicidade. São relações económicas que se estendem em várias áreas de actividade. Estão aqui empresas fortes, como sublinhou, como é o caso da Odebrecht, desde os tempos mais difíceis da guerra e que tem dado uma contribuição enorme no processo de construção de Angola. Participou no grande esforço de reconstrução nacional e agora tem procurado reinvestir parte do que ganha cá para realizar vários negócios que são úteis, naturalmente, para Angola. Desde as áreas da construção, da indústria, agricultura e depois tem também uma intervenção muito importante no domínio da formação de quadros.

 

E no caso de Portugal? São talvez relações um pouquinho mais tensas porque, como dizia, era o país colonizador no passado. Mas hoje em dia vejo aqui em Luanda uma coisa que me surpreendeu. É uma enorme presença de jovens portugueses. Fala-se de 200 mil, não sei se será este o número exacto…

 

R - Talvez seja esse o número. Mas nós já não nos guiamos por padrões de relacionamento do passado. Vivemos uma nova era, somos dois países soberanos. Angola tornou-se independente em 1975. Claro que os primeiros anos de independência foram anos de relacionamento difícil com Portugal, porque Portugal não reconheceu imediatamente a independência de Angola. Mas isso foi superado e agora as relações desenvolvem-se num quadro de amizade e de grande compreensão. É evidente que há reminiscência do passado. Alguns problemas, mas que são bastante localizados, em certos círculos da vida portuguesa, que enfim, talvez por algum saudosismo pretendessem voltar ao passado. Mas a vida não pára, a roda da História caminha para frente. Por conseguinte as relações entre os dois países também estão voltadas para o futuro. São relações como as do Brasil que se desenvolvem em quase todas as áreas de actividade com vantagens mútuas no domínio económico. Eu diria que um dos países que mais investe em Angola é Portugal. Como sabe os portugueses conhecem bem Angola, e por conseguinte está numa condição privilegiada para realizar negócios, desde o mais pequeno até ao grande negócio.

 

E como vê a presença desses jovens que devido a crise na Europa, a crise em Portugal, procuram outros destinos?

 

R - São bem-vindos. Como sabe aqui há uma grande falta de pessoal qualificado. E é de nosso interesse que todos aqueles que puderem vir contribuir, nessa altura, e que tenham uma qualificação necessária para apoiar-nos em projectos vários de desenvolvimento, são sempre bem-vindos. Eles chegam são enquadrados seja no sector público, seja no privado. A procura é muito grande.

 

E vejo que há empresas angolanas, como a Sonangol e outras, que fazem aquisições estratégicas em Portugal. Apoia esse tipo de aquisições, esse tipo de medidas?

 

R - Naturalmente. Refere-se com certeza a realização de investimentos angolanos em Portugal. Não temos ainda grande experiência. A Sonangol tem dado os primeiros passos, nalguns casos tem sido bem-sucedida, outros não, mas o que interessa é caminhar. É trabalhando que se aprende e que se consolidam os conhecimentos.

 

 

 

Outro protagonista aqui é a China. Se eu entendo bem a China compra a metade do petróleo angolano, e tem grandes projectos aqui de construção, projectos económicos. Como avalia a cooperação com a China?

 

R - A cooperação com a China é boa. Nós recorremos a essa cooperação depois do fim da guerra. Até porque nessa altura tinha sido programada a realização de uma conferência de doadores que acabou por não acontecer, porque não houve compreensão da parte de vários países ocidentais que achavam que Angola era um país potencialmente rico, por conseguinte não precisaria de tanta ajuda internacional para sua reconstrução e a criação de condições para o desenvolvimento. Nesse quadro nós tivemos que ir  procurar soluções e uma das soluções foi conseguir empréstimos em condições aceitáveis para realizar os nossos grandes projectos de reconstrução nacional. A China foi dos países que se disponibilizou para emprestar dinheiro e por conseguinte vieram cá grandes empresas chinesas para realizar empreitadas pagas, naturalmente, com financiamentos em condições que são aceitáveis, como disse há pouco tempo. Assim é que se instalam as empresas chinesas. Não podemos dizer que haja grande investimento directo, ou outro da parte das entidades chinesas. Começam agora algumas empresas chinesas a realizarem investimentos, mas a nossa relação é sobretudo baseada sempre foi baseada na contratação de empreitadas, sobretudo de construção civil, e na importação, portanto, compra de bens e serviços.

 

Ouvi algumas críticas de outras companhias de outros países ao tipo de construção da China. Talvez seja rivalidade entre empresas mas eu gostaria de perceber isso…

 

R - Eu acho que é rivalidade entre empresas, porque as construções são de boa qualidade. E normalmente são empresas que trabalham muito depressa. Basta ver que em três anos construíram aqui uma cidade com cerca de 20 mil apartamentos, para cerca de 200 mil habitantes, mesmo aqui a sul de Luanda, a uns 20 quilómetros. Pode ir lá e ver para constatar a qualidade dos edifícios e da infra-estrutura.

 

E o senhor Presidente prometeu um milhão de apartamentos nos próximos anos...

 

R - Naturalmente é uma meta que continua por realizar.

 

Falamos dos últimos 11 anos desde a guerra civil. Quais são os desafios de Angola no presente e o que gostaria de melhorar no futuro? Quais seriam os desafios realmente mais importantes?

 

R - Os desafios para Angola naturalmente continuam a ser a formação de pessoal qualificado, manter a estabilidade política, macroeconómica, e criar as condições para o crescimento económico, e a transformação deste crescimento em desenvolvimento económico e social. Portanto, nós temos políticas desenhadas para financiar a economia de tal maneira que se propicie esse crescimento, através do crescimento da produção, dos sectores produtivos. Naturalmente o sector de serviços igualmente, mas sobretudo através do desenvolvimento da agricultura, da indústria transformadora, particularmente a indústria de produção de alimentos. E no quadro da diversificação a produção de minerais, o desenvolvimento da indústria mineira. Por outro lado, nós pretendemos manter os níveis de crescimento. Sabe que a economia angolana é das que mais cresce no mundo. Cresce acima dos sete por cento. Já cresceu acima dos dez por cento. A nossa ideia é manter esses índices elevados de crescimento. Os índices elevados de crescimento durante muitos anos permitirão aumentar ainda mais a nossa riqueza, distribui-la melhor e assim ir eliminando a pobreza. Por outro lado, comecei com a formação de quadros, portanto, a qualificação dos quadros nacionais. Termos quadros de excelência que permitam fazer uma boa gestão das finanças públicas, fazer uma boa gestão das nossas empresas e torná-las competitivas no mercado interno e internacional. Mas, por outro lado, temos uma meta mais longínqua que é fazer Angola crescer de tal maneira que ela possa atingir os índices de desenvolvimento dos países emergentes, que seria o trampolim para depois então entrarmos para a caminhada para o desenvolvimento a longo prazo.

 

Falava antes da distribuição da riqueza. Preocupa-o o fosso social que ainda existe em Angola, entre a elite e a maioria da população?

 

R - É evidente. Este não é um fenómeno apenas de Angola, aliás é um assunto que hoje é debatido em várias partes do mundo, e sobretudo na Europa. É o velho problema entre a esquerda e a direita. Onde fica concentrada a riqueza? Mas pronto. A política que nós seguimos, que é a política do nosso partido, é a de combater as assimetrias. As assimetrias regionais, combater as desigualdades e sobretudo reduzir o fosso entre os mais ricos e os mais pobres. Nós temos um problema sério, que é uma herança pesada que vem ainda do tempo colonial: o subdesenvolvimento. O subdesenvolvimento em palavras mais simples se traduz na pobreza, na falta de conhecimento, por as pessoas não terem, em tempo oportuno, acesso à escolaridade, enfim, ao conhecimento. Portanto, preocupa-nos naturalmente que ainda os índices de pobreza são elevados. Estamos a cerca de 35 a 36 por cento de pobres em Angola. Fazemos um esforço grande, temos um programa de combate à pobreza e desenvolvimento rural, porque a pobreza está sobretudo nas populações que residem nas zonas rurais e na periferia das cidades. Portanto, temos programas bem direccionados. Temos objectivos traçados para que a pobreza seja erradicada. Senão erradicada pelo menos reduzida ao máximo possível nos próximos anos. Quando falamos em redistribuição da riqueza, queremos dizer, em primeiro lugar, garantir o crescimento sustentado da economia, produzir mais, e redistribui-la melhor. O que significa ter uma boa política fiscal que garanta arrecadar receitas suficientes para direccioná-las para resolver os problemas sociais, cumprindo assim a responsabilidade social do Estado, na área da educação, da saúde, da protecção social, assistência social, etc.

 

Falava de que este é um fenómeno em todo o mundo, não há dúvidas, também acontece o mesmo com a corrupção. Que métodos é que o seu Governo utiliza para tentar ultrapassar o fenómeno da corrupção?

 

R - Não sei se algum dia vamos ultrapassar esse fenómeno. Sabe que poderá ser dos mais antigos no mundo e que existe em todos os países, infelizmente mesmo nos mais desenvolvidos. É evidente que os esforços dos governos devem estar orientados para a redução desse fenómeno, tornando-o menos relevante ou irrelevante, digamos, na sociedade. E é o que nós fazemos. Portanto, temos políticas direccionadas para combater a corrupção, designadamente, a melhoria periódica das remunerações de servidores públicos, o reforço da actuação do Tribunal de Contas. Temos um Tribunal de Contas que fiscaliza as contas do Estado, também faz o julgamento das contas. Por outro lado, quando há desvios, quando são detectados desvios, os seus actores são responsabilizados e sempre nos termos da Lei. Mas também é realizada uma campanha constante de educação para que os cidadãos respeitem o património do Estado, os bens públicos e evitem de fazer uso do que não lhes pertence.

 

Depois de ter feito várias entrevistas aqui em Luanda a distintas personalidades, entendo que a estabilidade política e militar do país, 38 anos depois da independência, está assegurada neste momento. E a instabilidade social, como é que a vê?

 

R - A instabilidade social. Bom, não temos, pelo menos na minha apreciação, assim à vista qualquer risco de instabilidade social neste momento. Porque, como já lhe disse há pouco tempo, o governo está sempre preocupado com os problemas de carácter social e dá uma atenção muito particular à execução da sua agenda social. Isto é, procura resolver os problemas da saúde, estendendo a rede de serviços sociais até aos sítios mais recônditos, às comunas, às aldeias, etc. Procura resolver os problemas da educação, aumentando constantemente a rede escolar. Temos escolas em todas as aldeias, todas cidades, municípios, etc. É claro que ainda há alunos fora do sistema escolar, mas estes não chegarão aos 20 por cento. Portanto, há uma absorção regular e periódica, de todas as crianças em idade escolar para o sistema. Por outro lado, também realizamos programas de assistência às crianças em situações vulneráveis, em conflito com a lei, enfim, etc. Programas de assistência às pessoas idosas, às pessoas deficientes e temos, como disse há pouco tempo, o programa de combate à pobreza. A partir deste programa, procuramos mobilizar a sociedade para um esforço conjugado no sentido de atacar os problemas mais prementes. Portanto, penso que a sociedade, consciente desse esforço do Governo, e até com a sua própria participação, esbate todos os factores conducentes a uma possível perturbação ou instabilidade social. Não quer dizer que não haja focos. De quando em vez, há aqueles pequenos grupos de jovens que se organizam para realizar manifestações, particularmente em Luanda, mas nunca reuniram mais de 300 pessoas, que de uma maneira geral, são jovens com certa frustração, ou porque não conseguiram, não tiveram sucesso durante a sua vida escolar ou académica, não conseguiram uma boa inserção no mundo do emprego, etc. Mas são fenómenos muito localizados. De uma maneira geral, a perspectiva é de estabilidade quer política, quer social porque o Governo e o partido do Governo estão atentos a essas situações e trabalham com as grandes associações. Por exemplo, associações das mulheres angolanas - temos uma grande associação chamada OMA, (a Organização da Mulher Angolana), e há outras, enfim., de carácter social, cultural, etc. E temos as associações juvenis, estudantis e temos as organizações não-governamentais que são uma espécie de auxiliares dos poderes públicos e têm intervenção social nas várias áreas. Todos esses trabalham no sentido de resolver os problemas da população, tendo no centro das suas actuações o homem e o seu bem-estar. E, por isso, dificilmente penso que aqueles que queiram perturbar tenham condições para mobilizarem gente e criarem instabilidade.

 

Não acha que o que aconteceu nas primaveras árabes pode acontecer aqui?

 

R - Eles tentaram. Logo depois das revoltas na Tunísia, no Egipto, e depois do conflito que eclodiu na Líbia, tentaram aqui também incitar a juventude para realizar grandes manifestações, utilizaram as redes sociais para comunicar as suas mensagens e estabelecer mecanismos de mobilização e sensibilização. Mas a verdade é que não pegou. Não pegou porque, como já lhe disse, há uma acção positiva no sentido de melhorar as condições dos cidadãos, no sentido de trabalhar para o bem comum e a maioria da população compreende que há essa vontade, que há essa entrega dos governantes, dos quadros, salvo as raras excepções, para trabalhar para o bem comum. Para quê perturbar?

 

Uma coisa que a mim impressionou foi ver dois rapazes que, por causa das minas, que ainda estão por aí, perderam braços, pernas. Isso é um fenómeno terrível, são cicatrizes da guerra que ainda estão por aí. O quê que os senhores fazem realmente para pôr fim a esta sangria, a esta tragédia?

 

R - Angola era um dos países mais minados do mundo quando terminou a guerra em 2002. Dizia-se que Angola só era comparada ao Camboja nesse domínio. Falava-se até em mais de seis milhões de minas espalhadas pelo território nacional. É evidente que, durante a guerra, e até depois da guerra, tivemos várias vítimas de minas e nós desenhamos um programa de desminagem desde 2003-2004. Aliás, sem execução de um programa dessa natureza não seria possível a reconstrução nacional. Veja-se, por exemplo, que todas as linhas de caminho-de-ferro estavam minadas, ponta a ponta. Foi necessário um esforço muito grande para no período de seis anos reabilitar mais de dois mil quilómetros de linha ferroviária. Era desminar, reconstruir ou construir de novo. Mas o mesmo aconteceu nas estradas, nas pontes, etc. Era um país com muitos campos de minas e até nas áreas onde se desenvolvia a agricultura, etc. O orçamento do primeiro programa de desminagem era na ordem dos 100 milhões de dólares, e assim, periodicamente, isto mais ou menos no período 2003 e 2004, fomos executando programas de desminagem. Temos um instituto de desminagem, temos uma comissão que faz a certificação das áreas desminadas e, para além disso, envolvemos nesse processo de desminagem as Forças Armadas Angolanas. Por isso, podemos dizer que, hoje, temos zonas desminadas em que se pode desenvolver a agricultura, temos zonas desminadas por onde passam as linhas de transporte de energia eléctrica, e, evidentemente, que é um processo que continua. E temos mais ou menos as zonas sinalizadas, onde há perigos de minas, para proteger a população.

 

 

 

Senhor Presidente estamos perto do fim. José Eduardo dos Santos é Presidente de Angola há já bastantes anos. É um dos líderes, penso eu, que mais anos está no poder em África. Em algum momento pensa, no futuro, numa possível transição?

 

R - Sim claro. E até é humano que assim seja não é? É evidente que é um assunto que tem sido tratado a nível das instâncias do meu partido, porque, afinal, para além de Presidente da República sou líder do meu partido político e me tenho candidatado a eleição presidencial com o apoio dos militantes desse partido político que é o MPLA. Por conseguinte, acho que a primeira manobra a fazer, o primeiro exercício, será encontrar um líder que me substitua à frente dos destinos do partido, MPLA. E mais facilmente se realizará então a mudança, claro, a nível das instituições do Estado. É evidente que somos um país democrático, o nosso país tem vários partidos políticos, nas eleições participaram vários candidatos e, é evidente, que este candidato do MPLA terá que depois disputar o poder com outros candidatos.

 

E o que gostaria de fazer depois de ser Presidente?

 

R - Ainda não pensei nisso: Mas, normalmente o que fazem os ex-Presidentes é escrever memórias. Eu não sei se me vou dedicar a isso, ou não. Mas eu tenho uma fundação, a Fundação Eduardo dos Santos, que tem uma intervenção social importante, mas eu gosto de desporto, sou um homem do desporto emprestado à política. Portanto, posso trabalhar em várias áreas.

 

Que tipo de regime ideológico vigora actualmente em Angola?

 

R - Bom, somos uma democracia. Naturalmente, somos um regime baseado no pluralismo, por conseguinte, pluripartidário. Não podemos ter ideologia dentro do regime. Podemos falar é das ideologias a que comungam os partidos, que de tempos a tempos, quando ganham as eleições dirigem os Estados. E assim, falarei do MPLA, porque afinal o MPLA é o partido do Governo, que ganhou as eleições gerais em 2012 e por força dessas eleições, me tornei Presidente da República, como líder também desse partido político. O MPLA é um partido de Esquerda. É um partido de Esquerda que, no contexto actual da governação nacional, realiza um programa de consenso nacional. Portanto, o consenso foi obtido há cerca de 10 anos na base da discussão de uma estratégia de desenvolvimento a longo prazo, a que chamamos estratégia ‘Angola 20-25’, que definiu os desígnios nacionais e os seus grandes objectivos para o desenvolvimento nacional, e projectou o desenvolvimento de um tipo de sociedade. Portanto, uma sociedade guiada por uma democracia de carácter social. Portanto, temos uma economia mista, com rumo, que é a criação de uma sociedade que garanta igualdade, uma redistribuição equilibrada da riqueza, e com o objectivo último de se estabelecer uma sociedade sem pobres. Pode ser um sonho, mas é isso que se pretende. Portanto, é um partido de Esquerda realizando uma política de Governo de centro-esquerda, tendente à construção de um Estado social.

 

E quem são os estadistas que o senhor mais admira nos últimos anos? Quem foram os seus modelos, eu diria?

 

R - Nos últimos tempos, tem sido difícil encontrar modelos, é um mundo muito confuso, muito complicado. Tem sido difícil encontrar modelos. Mas é evidente que reflectindo um pouco, talvez o Lula, Presidente do Brasil. Pelo seu dinamismo, pela sua fidelidade a esses certos princípios que estive agora a referir, a preocupação com gente humilde, com gente pobre, trabalhar para a maioria da população, procurar aquele equilíbrio entre os que têm e os que não têm, uma sociedade de progresso social e de inclusão.



E qual o seu grande sonho para Angola?

 

R - É esse. Uma sociedade inclusiva, em que todos se sintam bem, em que todos beneficiem da prosperidade.

 

Senhor Presidente, dentro de muitos anos nos livros de História falarão de José Eduardo dos Santos como uma figura que escreveu a História de Angola, com os seus actos e com as suas decisões. Como gostaria de ser recordado na História?

 
R - Como um bom patriota

 VEJA TAMBÉM
Jornal de Angola

 

 

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